18 de maio de 2010

PSICODRAMA: RAÍZES HISTÓRICAS


Davison Willians Salemme

Criação do médico psiquiatra romeno Jacob Levy Moreno (1889-1974), o psicodrama pode ser definido como o “método que penetra a verdade da alma através da ação” (MORENO, 1999, pg. 98).

Por essa definição, podemos perceber a enorme influência da religiosidade em toda a obra moreniana, advinda essencialmente do judaísmo e do hassidismo (filosofia religiosa cuja noção diz que Deus faz parte do cotidiano, mantendo uma relação simétrica com o ser humano).

Moreno viveu em uma época de grande turbulência social, em que os europeus estavam decepcionados com a guerra e questionavam seus valores. A cultura estava impregnada pela fenomenologia do pensamento existencialista, que também influenciou o pensamento moreniano (SEIXAS, 1992, pg. 28).

A base do tripé de criação do psicodrama é completada pela influência do teatro grego, no qual Moreno retirou a forma de atuar.

Moreno foi contemporâneo de Freud, fato que impactou deveras sua obra, a ponto do psicodrama ser desenvolvido especificamente por oposição à obra freudiana. Criticava especialmente o determinismo psíquico pregado pela psicanálise e o fato de Freud rejeitar a religião, pois acreditava que o aspecto religioso tem grande relevância na terapia, e desprezá-la é não compreender o homem em sua totalidade.

Encontraram-se uma vez, e esse episódio ilustra bem a postura desafiadora de Moreno diante do pai da psicanálise:

O dr. Freud tinha acabado de fazer a análise de um sonho telepático. Enquanto os estudantes se alinhavam, ele me perguntou qual era minha atividade. Respondi-lhe: “Bem, Dr. Freud, comecei no ponto em que o senhor desistiu. O senhor atende às pessoas no ambiente artificial do seu consultório. Eu as encontro nas ruas, em suas casas, no seu ambiente natural. O senhor analisa seus sonhos e eu tento estimulá-las a sonhar de novo” (MARINEAU, 1992, pg. 44).

Numerosos são os fatos históricos na bibliografia de Moreno que ele admite serem os “tijolos” na elaboração do psicodrama, mas inegavelmente a descoberta do psicodrama como método terapêutico ocorreu durante o chamado caso Bárbara/Jorge.

Bárbara era uma jovem atriz que se destacava em papéis ingênuos e românticos. Enamorou-se por Jorge, expectador entusiasta pelo seu desempenho no palco e que rotineiramente a assistia na primeira fila. Casaram-se.

Após curto espaço de tempo, Jorge procurou Moreno e relatou que a esposa não tinha nenhum traço daquele ser angelical e feminino que conheceu no teatro e que em casa, no convívio diário, ela tornara-se uma terrível megera.

Em uma dramatização posterior a esse relato, Moreno interrompe Bárbara e propõe que ela represente o papel de uma prostituta que acabara de ser assassinada (nesta época Moreno dramatizava notícias dos jornais, com o intuito de mostrar ao público que sua peças eram espontâneas e não havia ensaio anterior). Para surpresa geral, ela desempenha com primor o papel da prostituta, dando aos presentes uma sensação de grande realidade. Seu comportamento alterou-se em casa.

O passo seguinte à descoberta do teatro terapêutico é a subida ao palco de Jorge, passando de expectador a ator, contracenando cenas do cotidiano geral e privado do casal. Alguns autores também consideram essa passagem como a primeira terapia de casal.

METODOLOGIA DO PSICODRAMA.

É fundamental para a realização de uma sessão de psicodrama a observação dos seguintes itens:

Etapas: (São três etapas básicas).

1. O aquecimento para ação, que pode ser inespecífico ou específico.

2. A dramatização, onde ocorre a ação propriamente dita.

3. O compartilhar, momento em que todos podem se expressar sobre o trabalho.

Instrumentos: (Em número de cinco).

1. Palco dramático (lócus da dramatização).

2. Diretor (coordenador da ação).

3. Protagonista (eleito pelos participantes como aquele que traz em sua estória pessoal elementos que mobilizem a todos do grupo).

4. Ego-auxiliar (terapeuta treinado ou alguém eleito pelo protagonista que auxilia o mesmo a desenvolver os papéis do seu mundo).

5. Platéia (que assiste e participa das etapas).

Técnicas:
Existem centenas, mas as básicas são aquelas oriundas da Matriz de Identidade (hipótese moreniana para o desenvolvimento do ser humano):

1. Duplo: Dizem Gonçalves, Wolff e Almeida (1988) que nesta técnica, advinda da primeira fase da Matriz de Identidade, o ego-auxiliar, ou em alguns casos, o próprio diretor, adota a postura corporal do protagonista entrando com ele em sintonia emocional, no intuito de expressar aquilo que o protagonista evita ou não consegue perceber.

2. Espelho: é uma técnica de manejo delicado, pois o protagonista pode sentir-se em zombaria uma vez que o ego-auxiliar irá imitá-lo (espelhar fidedignamente) em todos os seus movimentos e expressões. Em outra forma, retira-se o protagonista da cena e este passa a assisti-la de fora, com um ego-auxiliar desempenhando seu próprio papel. Essa técnica está embasada na segunda fase da Matriz de Identidade (BERMUDEZ, 1970, pg. 41).

3. Inversão de papéis: Embasada na terceira fase da Matriz de Identidade, a técnica consiste em trocar o papel que o protagonista esta desenvolvendo com o de seu interlocutor ou interlocutores. Se bem aplicado produz benefícios terapêuticos consideráveis (BERMUDEZ, 1970, pg. 40).

Um grande diferencial do psicodrama em relação à maioria dos outros modelos terapêuticos é a possibilidade que ele tem de exercer sua ação terapêutica via os dois hemisférios cerebrais (o direito e o esquerdo) e utiliza para isso, em particular, da vivência das cenas concretas na dramatização e da construção de imagens estáticas ou esculturas (LEUTZ apud KNAPPE, 1998, Pg. 36).

Considerando-se a afirmação acima, somada ao tema principal do trabalho, a técnica da escultura possui relevante interesse.

A TÉCNICA DA ESCULTURA EM AÇÃO.

A escultura (construção de imagens) é uma técnica que permite explorar detalhadamente os conteúdos do grupo pela concretização da imagem estática de uma forma elaborada pelo próprio grupo em estudo, utilizando para isso, como matéria-prima, o corpo dos envolvidos. Por meio dela moldam-se os gestuais, as posições relativas, as distâncias e os contatos corporais, o que explicita o esquema vincular das relações do grupo.

Acredito ser de relevância histórica pontuar que a técnica da escultura (ou construção de imagens) foi originalmente chamada de Concretização em imagens, sendo esse, seu verdadeiro nome de batismo. Trata-se de um caso curioso, em que uma antiga técnica psicodramática, inventada numa época anterior à elaboração da teoria sistêmica, foi apropriada por esta e rebatizada pelo nome de Escultura, nomenclatura de autoria sistêmica, mas que atualmente é aceita e utilizada por boa parte dos psicodramatistas.

Para a aplicação da técnica pela primeira vez, devemos explicá-la pedagogicamente ao sujeito que irá executar a escultura, utilizando para isso uma linguagem acessível e no nível cultural dele, para não alimentar resistências ao trabalho.

A consigna utilizada é: “usar o corpo (dos implicados) para construir um conjunto que, assim como uma escultura, mostre o modo de relação (ou a rede de relações) que existe entre as pessoas cujo corpo vai manejar” (BARBERÁ, KNAPPE, 1999, pg. 181).

Uma escultura ideal é aquela em que a observação de sua expressão propicie o entendimento, mesmo que rudimentar, do que esta se passando com as pessoas envolvidas naquele esquema vincular, por qualquer desconhecido que a observe.

Enfatizamos ao protagonista que a escultura é uma forma de expressar o modo como ele vivência determinada situação, e não o que ele pensa sobre ela. Para que ele alcance seu objetivo, explicamos que sua matéria-prima, sua massa de modelar, são os corpos de todos os envolvidos no trabalho, e que ele pode moldar posturas e expressões que julgar significativas.

Incentivamos sua espontaneidade e criatividade encorajando-o explorar as várias possibilidades de representação que a escultura oferece até que o protagonista se de pôr satisfeito com sua produção.

A fase posterior consiste em interpelar primeiramente o protagonista e depois todos os imbricados na escultura sobre quais as sensações, sentimentos e emoções foram despertados durante a construção e participação no processo.

Podemos continuar a pesquisa diagnóstica questionando sobre detalhes que nos pareçam significativos, tais como: Para onde você está olhando? Você esta confortável nesta posição? O que essa mão apoiada no ombro dele significa? E assim por diante.

Relevante nas características da técnica da escultura é a possibilidade de se trabalhar concomitantemente com diversas outras técnicas psicodramáticas destacando-se o duplo, espelho, inversão de papéis e o solilóquio (técnica em que se pede ao protagonista que expresse em voz alta o que realmente está sentindo ou percebendo em uma situação específica).

Valendo-se de uma escultura básica e da utilização das técnicas destacadas acima, podemos incrementar o trabalho de numerosas maneiras: formar novas esculturas originárias da principal; dialogar com um dos integrantes da escultura para checar suas emoções e sentimentos mediante sua posição neste sistema; inverter posições entre os integrantes e interrogar como se sentem; tirar um dos integrantes colocando o ego-auxiliar no lugar para interrogar quem ficou olhando de fora ou aquele que entrou no lugar; etc.

A aplicação desta técnica possibilita um importante processo de percepção para os envolvidos: uma compreensão instantânea das correspondências e visão de conjunto dos numerosos elementos, mesmo que contraditórios, que formam uma gestalt que os envolve

É de particular importância na terapia familiar como diz Seixas (1992, p. 114).

A escultura é uma técnica psicodramática de concretização dos vínculos familiares. A escultura familiar é a representação de uma parte do átomo social do indivíduo, o seu átomo familiar; concretiza as relações familiares significativas, para as pessoas do grupo familiar no momento, evidenciando a sociometria familiar. Proporcionando oportunidade de reconstrução desta escultura ao nível dramático, explicita desejos, necessidades e caminhos para uma nova forma de relacionamento conjunto.

De forma abreviada, podemos dizer que o átomo social é o conjunto dos vínculos significativos do ser humano, ao passo que, o seu átomo familiar é o conjunto dos vínculos significativos restringidos aos membros constituintes de sua família nuclear, objeto de trabalho da terapia familiar. A técnica da escultura é de especial valia para a fase diagnóstica da estrutura sistêmica do átomo familiar.

Através do trabalho com esculturas (concomitantes a utilização das outras técnicas que a sustentam e acrescentam possibilidades) a percepção dos membros da família vai se ampliando e a possibilidade apresentada de vivenciar novas situações, traz em seu bojo alternativas relacionais mais saudáveis para o sistema, servindo como importante ferramenta para a terapia familiar.

Bibliografia:

BARBERÁ, E. KNAPPE.P.P. A Escultura Na Psicoterapia: Psicodrama e outras técnicas de ação. São Paulo: Agora, 1999.

BERMUDEZ, J. G. R. Introdução ao psicodrama. Tradução Dr. José Manoel D Alessandro. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

GONÇALVES, C. S. & outros. Lições de Psicodrama. Introdução ao Pensamento de J.L.Moreno. São Paulo: Ágora, 1988.

MARINEAU, R. F. Jacob Levy Moreno 1889-1974 - Pai do psicodrama, da sociometria e da psicoterapia de Grupo. São Paulo: Ágora, 1992.

MORENO, J.L. Psicoterapia de grupo e psicodrama. Tradução José Carlos Vítor Gomes. Campinas. SP: Livro Pleno, 1999.

KNAPPE, P. P. Mais do que um jogo: Teoria e prática do jogo em psicoterapia. São Paulo: Ágora, 1998.

SEIXAS, M. R. A. Sociodrama Familiar Sistêmico. São Paulo:ALEPH, 1992.

Um comentário:

  1. Boa explicação da técnica de psicodrama de escultura, muito bom compreendi de forma mais pratica pois procurei em outros trabalhos e não conceituava detalhadamente a técnica como este artigo.

    ResponderExcluir

Este espaço é todo seu, deixe sua marca e obrigada pela visita!